Consultório da doutora

- O que é que se passa Franckie? - perguntou-me calmamente, visto ao estado em que me encontrava. Continuei de maxilar cerrado enquanto as lágrimas caíam e limpei-as de forma brusca, abanando a cabeça.
- Ele não acredita em mim.- choraminguei, não conseguindo parar de chorar.
- Ele quem? - perguntou-me no mesmo tom calmo que, sinceramente, conseguia irritar-me ainda mais.
- Ele.- respondi simplesmente, se eu lhe dissesse quem era, provavelmente iam ficar felizes por já não nos darmos.
- E o que é que tu fizeste para essa pessoa não acreditar em ti?
- O problema é esse, eu não fiz nada, ele não acredita em mim e pronto. Mas eu não fiz nada, eu não fiz.- abanei a cabeça várias vezes.
- Se não te acalmares ela vai dar-te um comprimido.- ouvi a voz de John, mas por mais que quisesse, eu não conseguia parar, eu só queria que ele acreditasse.
- E estás assim porquê? Ele é assim tão importante para ti? - olhei-a sem acreditar no que me perguntava e apenas saí sem dizer nada. Porque é que ela não era como Anne?

-Oliver olha para mim - mandou a mulher. Fiquei a brincar com as minhas mãos - Matt - disse num tom mais calmo, levantei o olhar para ela, devagarinho e vi-a sorrir. -Gostas mais de Matt? - na verdade não, Oliver era o meu verdadeiro nome, mas ainda não me tinha habituado a eles. Vendo que eu não respondia ela agarrou numas folhas dando-mas juntamente com um lápis. - Queres desenhar? Ouvi dizer que desenhas muito bem - detestava ser tratado como um bebé, mas lá tinha que aguenta. Estiquei a mão até ao lado e olhei para o desenho. Não, não queria desenhar. Abanei a cabeça levantando-me - Oliver - chamou-me a psiquiatra, mas eu continuei a andar até à saída.

Ajeitei-me na cadeira enquanto sorria e vi o médico a fazer-me o mesmo - Como te sentes Piper?
Estiquei a mão para agarrar num pequeno bloco de folhas que ele tinha em cima da secretária e passei os dedos por cima do mesmo - Bem. Ontem estive meio doente, passei o dia no quarto mas agora estou bem.
Ele assentiu ainda a sorrir e olhou-me carinhosamente. Era estranho olharem-me assim, parecia que sabiam coisas sobre mim e não me diziam - Ontem uma das pacientes andou um bocadinho alterada. Kristen, conheces? - abanei a cabeça de olhos arregalados - Ameaçou cortar o pescoço se não a deixassem sair da clinica. Ainda bem que ficaste no quarto, podia ter acontecido alguma coisa.
- Ela já está bem? - perguntei preocupada.
O médico sorriu-me e assentiu - Muito bem. Se precisares de alguma coisa sabes que podes vir falar comigo quando quiseres.
Assenti com a cabeça e levantei-me - Obrigada. - disse antes de sair.

Ainda estava atordoado, eles davam-me estimulantes para que eu ficasse mais ativo, apesar de eu achar que não me faziam nada, porque eu ficava mais confuso do que já estava. Passei as mãos pelo cabelo lembrando-me que tinha deixado o meu bloco de desenhos no consultório, ele não podia ficar lá. Dei meia volta, mas a coisa não correu bem, pelo que eu tropecei tanto nos meus próprios pés como nos de uma rapariga que estava atrás de mim fazendo-me cair em cima dela.

Estava a sair do consultório a pensar naquela rapariga que o médico tinha-me contado. Será que não percebiam que aqui ninguém estava para nos fazer mal? Só nos queriam ajudar. Eu gostava de estar ali. Quer dizer, claro que preferia estar em casa com a minha familia mas sabia que ali me podiam ajudar. Aquela Kristen devia ter mesmo um problema dos graves, coitadinha. Cai de rabo no chão assim que vieram contra mim e levantei o olhar para o rapaz - Estás bem? - perguntei preocupada.

Fiz ma careta quando senti o meu joelho embater no chão, mas tal como eu tinha já pensado, estava demasiado confuso para conseguir sentir qualquer tipo de dor agora. Isso era bom, não queria sentir mais dores, estava farto. Olhei para a rapariga e saí rapidamente de cima dela ou ainda a esmagava. Mordi o lábio quando falou comigo e baixei o olhar levantando-me devagarinho.

Assim que ele saiu de cima de mim, apoiei as mãos no chão e levantei-me. Limpei o rabo enquanto o olhava e juntei as sobrancelhas quando o vi a olhar para o chão e não me disse nada - Espero que estejas bem. - fiz uma careta quando me senti meio enjoada e agarrei-me à parede - Tenho de ir para o quarto, estou a ficar mal como ontem. - murmurei mais para mim do que para ele - Espero que estejas bem. - repeti antes de caminhar de volta para o meu quarto.

Eu tentava, eu tentava mesmo, especialmente quando eram pessoas que não médicos a falarem para mim, mas não conseguia, não saia nada. Apenas assenti levemente enquanto olhava para a janela atrás dela, só a voltando a olhar quando disse que estava mal disposta. Juntei as sobrancelhas aproximando-me devagarinho, era a primeira vez que estava distraido do que tinha acontecido, agora estava mesmo preocupado. Ouvi-a repetir o que tinha dito e quando começou a andar em direcção não sei bem onde eu fui atrás dela.

Sentia a minha cabeça pesada e um zumbido nos ouvidos, o mesmo que tinha sentido no dia anterior e que me tinha feito ficar o dia todo fechada no quarto na minha cama. Virei a cara para trás quando percebi que o outro rapaz me estava a seguir e parei agarrada à parede - Estás bem? - voltei a perguntar - Eu só vou para o quarto, a culpa não foi tua, só estou meio doente.

Parei quando ela fez o mesmo e me olhou, ficando a olha-la afastando-me porque tinha parado demasiado "em cima dela". Enfiei as minhas mãos nos bolsos das calças da roupa que me tinham dado e olhei para trás. Ela não podia ficar sozinha quando se sentia mal, ou eles pretendiam que fosse assim?

Segui o olhar do rapaz quando o vi a olhar para trás e ia perguntar se ele precisava de alguma coisa quando senti uma dor muito forte na cabeça. Levei as mãos à mesma e fechei os olhos com força.
Pisquei os olhos várias vezes e não consegui conter o sorriso quando vi o rapazinho que estava à minha frente. Sim senhora, Regin, já tinhas um cachorrinho atrás de ti - Olá giraço.

Abri muito os olhos quando a vi agarrar-se à cabeça. Isto era tão frustrante, não conseguir chamar por ajuda decentemente. Estava a agarrar-lhe pelos ombros quando ela fez um sorriso e me chamou de giraço. Juntei as sobrancelhas olhando-a de lado e afastei-me de novo um passo, se calhar era mesmo o que eles queriam. Era melhor ir para o meu quarto.

Encostei-me à parede ainda a sorrir quando o vi afastar-se e abanei a cabeça - Podes tocar à vontade, a seguir é a minha vez. - mordi o lábio inferior enquanto o olhava de alto a baixo e cheguei-me mais para ele - És giro mas és muito caladito. - deixei cair a mão e continuei a olhá-lo - Não me achas gira?

Dei um salto na cama assim que acordei, com a minha respiração completamente entrecortada e o suor a escorrer-me pela testa e pelo corpo todo. Tinha voltado a ter os pesadelos do passado, de quando tinha sido raptada do meu quarto e tinha ficado fechada naquele sótão horrivel, amarrada, mal alimentada durante anos. Olhei para as horas e vi que estava na altura da minha consulta. Fui tomar um duche rápido e mudar de roupa para ir até ao consultório.
- Não pareces muito bem. - disse a médica assim que eu entrei - Está tudo bem?
Assenti com a cabeça enquanto me sentava na cadeira - Só os pesadelos do costume. Mas eu estou bem.
- Piper. - disse a médica com um sorriso enquanto olhava para os papeis dela.
- Sim, sou eu. - disse meio confusa - Não me podem dar nada para dormir melhor? Estou farta de falar sobre o que aconteceu, não muda nada. Os pesadelos continuam e são sempre muito reais. Só quero poder descansar.

Acordei com a enfermeira que me tinha dado as injecções a acordar-me, afastei-me dela. Não gostava dela, pelo menos já não gostava mais. Ela não tinha o direito de ter feito aquilo, ainda por cima... Engoli em seco sentindo uma mão no meu ombro - Tens a tua consulta Oliver - disse-me num tom baixo. Abanei a cabeça, eu não ia fazer lá nada, eu nem sequer falava e muitas das vezes mandava-me desenhar mas nunca gostava de o fazer perto dela, simplesmente porque ela só me pedia para desenhar coisas do que tinham acontecido. - Vamos, tens mesmo que ir - olhei para o meu braço quando agarrou nele e me puxou e tentei afastar-me, levantando-me por mim próprio, indo até ao corredor que nos levava até ao consultório.

Agarrei na embalagem de comprimidos que a médica me deu antes de sair do consultório. À medida que o tempo ia passado, os sonhos iam tornando-se cada vez mais reais. Cada vez tinham mais pormenores e parecia mesmo que eu estava lá, a viver tudo de novo. Senti um arrepio na espinha e sai para o corredor, vendo um rapaz com uma enfermeira. Ele parecia assustado e com a enfermeira assim a agarrá-lo era normal.

-Está na tua hora - olhou para as horas continuando a puxar-me, não era com muita força, mas estava a puxar-me, isso deixava-me ainda mais maluco do que eu já estava, eu detestava que me tocassem assim. Parei assim que vi... eu nem sei quem estava a ver, eu não a conseguia perceber muito bem, mas eu vi-a e depois disso não consegui mexer-me mais. - Oliver, vem.

- Pare de o puxar. - disse à enfermeira e aproximei-me do rapaz, pousando a minha mão no braço dele. Deviam ter-lhe dado alguma coisa porque ele não parecia muito normal. Ou então isto era ele normal. Afinal estávamos numa clinica para pessoas "diferentes". Sorri-lhe ligeiramente enquanto o olhava. Ele era giro e tinha uns olhos lindos apesar de parecer meio chateado, mas com aquela a puxá-lo, era normal - Estás bem? - perguntei-lhe baixinho.

Arregalei ligeiramente os olhos quando ouvi a voz dela a falar para a enfermeira e olhei para a mesma vendo-a largar-me aos poucos e cruzando os braços, agora ia ficar ali até ela ir embora, estava mesmo a ver. Olhei... ela e sorri mal me falou assentindo com a cabeça para lhe responder. Ela era mesmo bonita, aqueles olhos.. e pelo menos já não parecia ser a Roxanne, tratava-me por tu isso era um bom sinal.

Sorri quando o vi a fazer-me o mesmo e assim que me assentiu com a cabeça para dizer que estava bem, fiz-lhe uma festinha no braço - Eu posso levá-lo ao consultório. - disse à enfermeira que me olhou com cara de poucos amigos - Acabei de vir de lá e é já ali por isso não há problema. - antes que ela respondesse o que quer que fosse, entrelacei o meu braço com o dele e disse adeus à enfermeira - Ela é um bocado bruta. - disse já só para o rapaz.

Levantei o olhar para a enfermeira com os olhos muito abertos mal ela disse que me podia levar e assenti com a cabeça. Sem dúvida que queria ir com ela. Ri-me baixinho quando se agarrou ao meu braço e comecei a andar em direcção aos consultórios ao seu lado assentindo com a cabeça, sim, ela era demasiado bruta, detestava pessoas assim. Dei-lhe um beijinho na bochecha como agradecimento, tentando andar devagar, não queria chegar ao consultório e ficar sem companhia.

Fiquei muito sossegadinha mas a sorrir assim que ele me beijou a bochecha e continuei a ajudá-lo a ir em direção ao consultório - Sou a Piper Queen. - apresentei-me ainda a sorrir-lhe. Eu não o conhecia mas tinha quase a certeza que podia confiar nele. Era um instinto - Acabei de vir de uma consulta. - disse para meter conversa - Se quiseres posso ficar no corredor à tua espera, que acabes a tua. - sorri-lhe.

Levantei as sobrancelhas quando disse que era a Piper e assenti com a cabeça sem deixar o meu sorriso leve. Ela era tão estranha, não era uma coisa que eu não fosse, mas ter tantas pessoas dentro diferentes dentro dela era completamente estranho. Olhei para a porta do consultório quando lá chegámos e arregalei os olhos com a sua pergunta assentindo com a cabeça. Ela queria esperar por mim.

continuei a olhá-lo enquanto esperava pela sua resposta e ri-me baixinho quando o vi a assentir com a cabeça - Então eu espero. - assim que chegámos à zona dos consultórios, sentei-me num dos sofás da zona de espera - Fico aqui à tua espera. - disse-lhe com um sorrio enquanto o olhava. Apontei com o queixo para a porta do consultório para onde ele ia - Espero que corra bem a tua consulta.